Após ficar viúva, a comerciante mato-grossense Leila Griff, 44 anos, concordou em doar os seus órgãos e acabou se casando com o homem que recebeu o coração de seu ex-marido. Antes condenado a seis meses de vida, Celeidino, 59, se recuperou e conquistou o amor de Leila e de seus filhos
“Quando
conheci o Ademilson, meu falecido marido, eu ainda estava na escola e tinha só
13 anos. Ele, 15 e, na época, era pratrulheiro mirim (um projeto da prefeitura
da nossa cidade para menor aprendiz) e morava com uma tia. Eu só ia à escola e
cuidava dos meus irmãos menores, ainda não trabalhava. Me lembro que estudava à
tarde e ele era do turno da noite, na mesma escola. Toda dia, ele jogava bola
na quadra e na hora do recreio eu corria só para vê-lo. Um belo dia, uma amiga
que estudava comigo nos apresentou.
Passamos
a nos paquerar. No fim da aula, ele levava os cadernos para mim até perto da
minha casa. Não podia me deixar na porta porque o meu pai era bravo! Me recordo
com saudade que um simples beijo no rosto já era o suficiente para oficializar
o namoro. Isso aconteceu no começo do ano de 1987. No final do mesmo ano, fugi
da casa do meu pai, que logo descobriu tudo. Ele me prendia e não queria que eu
namorasse, achava que eu era nova demais. Apanhei feito uma condenada e logo
fugi de novo. Fui trabalhar como babá e morar na casa dos patrões e, assim, eu
e Ademilson continuávamos a nos ver. No ano seguinte, já com 14 anos, tivemos a
nossa primeira relação sexual e, cinco meses depois, já estava grávida. Ele foi
meu primeiro namorado e eu a dele. Logo nos casamos e tivemos dois filhos —
Luana, hoje com 28 anos e Luan, com 27.
Um
belo dia, ele saiu do trabalho e foi beber com uns amigos. Lá, se envolveu numa
briga boba de bar e pegou um táxi para ir para casa. Atiraram no carro e os
tiros o atingiram na cabeça. Na época, tinha apenas 26 anos e eu, 24. Levado
para o hospital, foi operado de emergência e achei que tudo ia ficar bem. Mas,
depois de três dias na UTI, teve morte encefálica. Na hora que eu recebi a
notícia, eu estava só no hospital e mal senti minhas pernas. Foi um tremendo
choque! De uma hora para outra, estava viúva, sozinha e com dois filhos para
criar, entre 6 e 8 anos.
Nove
dias antes da sua morte, Ademilson havia chegado em casa dizendo que havia se
cadastrado como doador de órgãos. Lembro como se fosse hoje de dizer: ‘Está
louco? Jamais deixaria que tirassem nada de você, nem um pedacinho’. Mas,
naquele momento, diante do médico, mudei de ideia. Ele me disse que seus órgãos
estavam intactos e que eu poderia mantê-lo vivo dentro de outras pessoas,
levando saúde e felicidade para pessoas que precisavam. Só aí decidi assinar o
termo de doações dos órgãos do meu marido, a pessoa mais importante da minha
vida.
Um
ano depois, estava em casa na minha rotina de sempre quando um homem apareceu
no portão. Era Celeidino, o cara que havia recebido o coração do meu marido.
Pegou nosso endereço no hospital e fez questão de nos agradecer pessoalmente.
Contou que já estava sem esperança quando recebeu o transplante. Sofria de
cardiomiopatia delatada, ou seja, seu coração cresceu demais e tinha, segundo o
médico, àquela altura tinha apenas seis meses de vida e já estava há tempos na
fila de espera do transplante.
Celeidino
chegou dizendo: ‘Muito prazer! Sou o rapaz que recebeu o coração do seu
marido’. Quase caí para trás! Quando me recuperei um pouco do baque, estendi a
mão para cumprimenta-lo. Ele me puxou, me abraçou fortemente e disse: ‘Sinta
aqui o coração do seu marido bater’. Fiquei tão comovida que as minhas pernas
amoleceram e comecei a chorar. Ele entrou, conheceu os meus filhos e, em pouco
tempo, estava frequentando nossa casa.
A
princípio, fiquei incomodada. Não gostava muito dessa aproximação repentina.
Apesar de ter aprovado a doação, não queria ter contato com os receptores. Eles
me lembravam da morte do meu marido. Com o tempo, no entanto, fomos nos
aproximando e ficamos muito amigos. Ele foi me contando sobre a sua vida.
Soube
que ele havia sido casado, mas que não teve filhos. E, com a convivência,
acabou adotando os meus. Desde que nos conhecemos, todas as vezes que ele ia ao
médico na cidade onde eu morava, em Campo Grande, no Mato Grosso do Sul (ele
era de outra cidade, a 300 km de distância), Celê passava lá em casa para ver
as crianças, que logo pegaram muito afeição e carinho por ele. Nessa época,
para dar conta das despesas da casa e de dois filhos pequenos, eu tinha dois
empregos. Durante o dia, era cozinheira e, à noite, trabalhava como garçonete.
Para se ter uma ideia, às vezes era o Celedino que passava para levar ou buscar
as crianças na escola. E assim, foi se aproximando. Devagar, como quem não quer
nada, passou a ir cada vez mais lá em casa, fazer as refeições conosco e foi
conquistado toda a família.
Dois
anos depois de nos conhecermos, ele abriu uma oficina de pintura de carros e
motos na minha cidade. Um dia, fui levá-lo até o portão de casa e, sem que eu
esperasse, ele me beijou. Levei um susto! Juro que nunca o havia enxergado com
outros olhos que não fosse de um grande amigo. Eu até tinha outros paqueras,
nessa época. Mas, como sempre sincero, Celedino confessou que há tempos já
estava gostando de mim. No início, resisti. Me sentia um tanto culpada e envergonhada
por me envolver com o homem que carregava o coração do meu falecido marido.
Parecia até história de novela. Mas, meus filhos fizeram a maior campanha,
lideraram a torcida e me pediram que eu ficasse com o ‘novo pai’ deles! Aí, fui
me envolvendo e me entreguei.
No
dia 19 setembro de 2001, começamos, de fato, a namorar. Três anos após a morte
do Ademilson. Um mês depois, já estávamos morando juntos na minha casa, junto
com os meus filhos, que também passaram a ser dele. O Celê tem um amor incondicional
pelas crianças, e elas por ele!
Com
o passar dos anos e com o tempo de convivência, fui notando algumas semelhanças
entre os ‘dois maridos’. Ambos eram homens muito generosos, extremamente
honestos e o Celê me chama pelo mesmo apelido que o ex me chamava: gata! E
tanto um como o outro nunca me chamavam pelo nome, a não ser quando estivessem
bravos. Passei a notar coincidências assustadoras entre um e o outro. Eles eram
de fazer amigos com muita facilidade e os dois amavam o cantor Raul Seixas.
Tanto que a coleção de vinis que o Celedino tinha do Raul era idêntica à do
Ademilson. Os dois também eram muito brincalhões com as crianças e tinham a
mania de colecionar aquelas figurinhas de álbuns (o pai costumava colar nos
álbuns junto com os filhos e o Celeidino fazia o mesmo). Ah, e tem mais. O
melhor amigo do Ademilson passou também a ser o melhor amigo do Celeidino, com
o mesmo grau de afinidade. Ele se chama Eliezer e se tornaram amigos porque a
esposa dele é muito minha amiga e sempre frequentou a minha casa. Os dois
também possuem o mesmo trabalho, ambos são pintores automotivos. Então,
imagina… Haja assunto sobre carros e afins.
Sei
que quando eu decidi assumir publicamente a minha relação com o Celê muita
gente fazia alguns comentários maldosos. Muitos achavam estranho, até mesmo
pela nossa diferença de idade — ele tem 15 anos a mais que eu. Com tantos
rapazes mais jovens, se perguntavam por que eu resolvi me apaixonar justo por
ele. Mas, com o passar do tempo, todos passaram a respeitar a nossa decisão.
Sempre
fui muito romântica! Sonhava com o marido perfeito, com um príncipe encantado
chegando num belo cavalo branco… Aqueles sonhos bem juvenis e até inocentes
mesmo. Pois bem, ele chegou perfeito, só que em uma ‘Sahara’ branca, que era a
moto ‘envenenada’ que o Celê tinha, na época. O meu coração me fazia acreditar
que eu havia superado a morte do meu ex, mas a pessoa do Celeidino é que me fez
acreditar na vida novamente. Costumo dizer que o Ademilson foi o primeiro
grande amor da minha vida. O Celê é o meu segundo e último grande amor!
Sempre
sonhei com alguém que fosse como o Celeidino é. Um bom pai, avô, marido
perfeito… O melhor homem do mundo! Acho que eu o amo por causa do seu coração,
literalmente. E por causa da pessoa linda que ele é.
Não
tivemos filhos porque fiz laqueadura aos 17, quando tive meu segundo bebê.
Hoje, já tenho dois netos, que chamam meu marido de avô e também são loucos por
ele. Até hoje, quase 20 anos após o falecimento do ex, ainda sonho com ele. Às
vezes, me pego pensando nas ironias do destino. O coração do Ademilson se
encaixou perfeitamente no peito do Celedino. Muitos dizem que o prazo limite
para um transplante é de dez anos. E o coração do Celê continua batendo
fortemente e sem nenhum problema já há mais de 18. Dez pessoas tiveram os
corações transplantados na mesma época, e ele é o único que está vivo até hoje.
Por isso, levantamos a bandeira da doação de órgãos por onde passamos. Queremos
que as pessoas estejam cientes da importância desse gestoo de amor e compaixão
com o próximo.
Antes,
por pura ignorância e falta de informação, eu era totalmente contra a doação de
órgãos — atitude que salvou a vida de cinco pessoas, sem contar com a minha e
dos meus filhos! Foram doadas duas córneas, dois rins e um coração. Assim, o
Ademilson ‘ficou vivendo’ em cinco pessoas. A dor que senti ao enterrar meu
marido foi a maior que já senti. Hoje penso que, se a gente optar por ser um
doador, além de salvar vidas, ainda conseguimos não deixar que a morte tire
tudo de nós.”
Globo,
via Marie Claire
https://www.blogdobg.com.br/
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Muito bonita essa história valeu
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