segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

A palavra craque está vulgarizada"

Tribuna do Norte
Felipe Gurgel
Repórter de Esportes

 Januário Oliveira critica banalização dos craques
Um dos mais icônicos narradores  de futebol brasileiro nas últimas três décadas, Januário de Oliveira esteve em Natal para passar as festas de fim de ano com seus familiares que moram aqui. Longe da televisão desde 1999 por problemas de saúde, o ex-locutor concedeu entrevista a TRIBUNA DO NORTE e falou sobre Neymar, CBF, momento atual do futebol brasileiro e a figura do empresário no meio esportivo. Sem fugir de nenhuma pergunta, fez críticas a própria imprensa, que, segundo ele, é culpada pela vulgarização da palavra craque e também revelou como surgiu os bordões de futebol que ele criou e está marcado na memória da grande maioria dos amantes brasileiros do maior esporte do planeta.
rodrigo sena
Januário de oliveira, ex-locutor
A palavra craque está sendo usada de maneira errada?
Podem reclamar que sou saudosista, mas ninguém vive sem saudade. Na minha época, vi craques como Ademir da Guia, Dirceu Lopes, que hoje em dia seriam do nível de Messi, ficar fora da Seleção, pelo simples fato de ter jogadores mais qualificados. Tínhamos Zico, Rivelino, Tostão, Gérson, só craques, de verdade. Atualmente, qualquer jogador que se destaque no seu clube, é chamado d craque. Todo dia surge um novo Pelé, um novo Zico e não passam de promessas. Estão dizendo que o Paulo Henrique Ganso (meio campo do Santos), é a salvação para a camisa 10 do Brasil. Só podem estar de brincadeira. Ele é apenas um bom jogador, que ainda tem que provar que merece jogar na Seleção. O Neymar é diferenciado? Não tem como negar, mas, daí, dizer que ele é o melhor do mundo são coisas completamente diferentes. Ele é endeusado. Mas, em que posição ele jogaria na seleção de 1970? A palavra craque está vulgarizada.
O Romário disse, em entrevista, que o Brasil está abaixo da Espanha, atualmente, no futebol. O Senhor concorda?
É lamentável o estado do futebol brasileiro. Passamos a pior crise dos últimos 50 anos.  A Espanha tem jogadores de qualidade em todas as posições e nós não. Estamos passando por um problema grande de jogadores. A qualidade do futebol brasileiro caiu e isso é notório. Até bem pouco tempo atrás, nossos jogadores sempre estavam na disputa pelo premio de melhor do mundo. Na sua maioria, meio campistas e atacantes. Hoje, mesmo a FIFA tendo aumentado o número de concorrentes para mais de 30, não conseguimos colocar nenhum, com chances reais de ser eleito o melhor jogador. Temos um lateral direito, que é o Daniel Alves e o Neymar, que joga no Brasil. A Espanha teve vários. Mas,  o Brasil tem que tomar cuidado com outras seleções também. A Alemanha está montando um time muito forte e de qualidade. A Itália também. É preciso que nossa Seleção se monte o quanto antes, para não passar vergonha na Copa. Tenho medo que aconteça um desastre e o Brasil não consiga passar das quartas de finais.
A derrota do Santos para o Barcelona, na final do Mundial de Clubes, deixou essa diferença ainda mais evidenciada?
Aquilo foi uma brincadeira. A primeira decisão que vi de um Mundial de Clubes, foi em 1962. Nunca tinha visto um massacre tão grande quanto aquele. O Santos foi um fiasco e o Barcelona brincou de jogar futebol. Tanto que o Neymar, no final, disse que tinha aprendido uma lição, tinha aprendido a jogar futebol. Espero mesmo que tenham aprendido, porque os ensinamentos anteriores, foram péssimos. Devem ser esquecidos. O resultado foi barato. O placar de 4x0 ficou de bom tamanho para o Santos. Poderia ter sido pior, já que o Barcelona meteu duas bolas na trave.
Falta humildade aos jogadores de hoje?
Não só humildade, como também direção. O futebol brasileiro é muito mal dirigido. Começando pela CBF. Não temos mais dirigentes como o próprio João Havelange. Ele deveria ter ensinado ao Ricardo Teixeira, como se comanda uma Confederação. Ele conseguiu transformar a FIFA em um órgão mais importante do que a ONU.

O futebol, hoje em dia, está nas mãos dos empresários?

Hoje não tem mais empresário de futebol pobre e todo mundo quer ser empresário. O que mais tem é ex jogador se tornando empresário. Tem jogador que, antes de encerrar a carreira, se torna empresário. É o caso do Ronaldo Fenômeno. É brincadeira. Vá no ABC, no América, em qualquer time de futebol, tem meninos de 12, 13 anos, que já tem empresários. Existe um torneio no interior do Rio Grande do Sul, com garotos de até 12 anos, com grandes clubes do Brasil e da Argentina, que participam da disputa. Todos os meninos estão lá com seus empresários de lado. Isso é criminoso. Não se pode assinar contrato com essa idade. Mas, eles dão emprego para o pai ou para mãe e ficam com a preferência em, se um dia, esse menino virar jogador de futebol, contratar.
Na sua época, o senhor recebia ligações de empresários?
Nossa, cansei de receber. Eram muitas. Até de empresários da Colômbia. Recebi gente na rádio Nacional querendo mostrar jogadores. Um dia, um empresário me encontrou em um hotel em Recife/PE e eu decidi levar o jogador dele, que era goleiro, para treinar no Vasco da Gama/RJ. Foi a maior burrice da minha vida.
O que o senhor acha dessa relação entre imprensa e dirigentes de futebol?
Isso é uma promiscuidade. Desculpa o termo, mas chega a ser nojento. Tem casos de jornalistas que viraram dirigentes e nem sabemos como. Fui, nem sei se sou ainda, amigo de um jornalista que virou presidente do Flamengo. Tem um empresário em São Paulo, que era repórter de campo. Hoje ele é o principal patrocinador de Ronaldinho Gaúcho. E eu pergunto: onde estava esse dinheiro todo que passava por mim e eu não via? Teve um repórter, que virou dirigente, que o clube que ele trabalhava, deu um cheque de US$ 1 milhão, para pagar os salários atrasados desse clube. Conheci repórteres, ficavam eles, telefonando para outros colegas, passando notícias de jogadores. Teve um clube do interior de São Paulo, que deu um jogador para ele ser o empresário, para ele colocar jogadores em outros clubes. Descobriram e ele perdeu o emprego. Mas, isso ocorre há muito tempo. Na minha época, era novidade, mas hoje está tudo escancarado.
Contra ou a favor de torcida organizada?
Sou contra. Quando trabalhavam, dizia: não são torcidas organizadas. A maioria são grupos terroristas organizados. Estou morando em Goiânia/GO e lá morre um por semana. Mas isso não é só lá. É errado os dirigentes darem voz a esse tipo de torcida.
O mundo do futebol é podre?
Lamentavelmente, é. Já foi um negócio sadio. Me sinto felizardo por ter vivido grandes épocas do nosso futebol. Mas, me entristece, quando comecei a viver o futebol na década de 80 e 90. Felizmente parei. Tem dirigente que torce contra o próprio time, porque, na crise, ele quer tirar vantagem. 
Mudando um pouco de assunto, como surgiu seus bordões no futebol?
O primeiro, foi o "Tá aí, o que você queria", que surgiu na década de 70, em um jogo do Fluminense, pelo Carioca. A partida estava prevista para começar às 20h e devido as chuvas e falta de energia, começou perto das 23h. Quando o árbitro decidiu começar a partida, eu soltei o "Tá aí o que você queria". Logo depois, narrando um gol do Vasco da Gama, gritei:  ´Dinamite, é disso que o povo gosta´´. E virou outro bordão. Isso na época do rádio. Quando fui para a televisão, em 1992, Denner tinha sido contratado pelo Vasco e em um jogo, marcou quatro gols e o último deles, foi uma pintura. Driblou quase o time adversário todo. Como não tinha mais adjetivo para usar, soltei o ´Cruel, muito cruel´. Outra vez, narrando um jogo do Flamengo contra o Sport, na Ilha do Retiro, o Mozar, zagueiro carioca, recuou a bola para o goleiro Gilmar. Ele foi tentar agachar para pegar a bola, que vinha devagar e acabou deixando-a passar entre as suas pernas, entrando de mansinho no gol. Foi quando usei, pela primeira vez: ´Sinistro, muito sinistro´.
Mas, além desses, tiveram outros?
Em uma partida que não me lembro, pela TV Educativa, fiz amizade com os maqueiros do Maracanã.  Quando eles entravam em campo para tirar algum jogador contundido, sempre dizia que estava acontecendo um ´carreto´. Em outra partida, no mesmo Maracanã, um jogador caiu em campo e ficou demorando para se levantar. Aí, soltei: ´Tá lá, um corpo estendido no chão´. No outro dia, todos na rua já estavam com o bordão na ponta da língua.
Super-Ézio foi invenção sua?
Uma vez, estava almoçando com um amigo meu, no Rio de Janeiro, dias antes de um clássico entre Fluminense e Botafogo, isso na década de 90. E estávamos elogiando o Ézio, atacante tricolor, que era o único jogador que escapava naquele time, que era muito ruim. Foi quando chamamos ele de super-herói, por conseguir fazer gols, mesmo jogando em um time fraco. No clássico, o Fluminense venceu por 3x0 e ele fez dois gols. Foi quando gritei ´Super-Ézio´.
O senhor chegou a conversar com ele sobre esse apelido?
O Ézio foi um amigo que eu fiz durante meu tempo como locutor. Fomos amigos de verdade. Sempre ligávamos um para o outro.  Fiquei muito abalado com sua morte. Ele teve um gesto muito bonito. Depois que saiu do Fluminense, foi jogar no Atlético/MG e seu último jogo como profissional, foi justamente contra o time carioca. A camisa dessa partida, ele fez questão de me dar.

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