http://www.marceloabdon.com.br/
Por *Daniel Martins de Barros
Só quem gosta de mudanças são os bebês molhados. A frase é boba, mas o princípio é verdadeiro – mudanças são estressantes, exigem adaptações, demandam energia, esforço. Mudar de país, então, indo para um lugar novo, com uma língua diferente, costumes e cultura “estranhos” é uma atitude que só toma quem tem convicção de que trocando algo muito ruim por algo bem melhor – o ganho que se espera compensa o desgaste com a mudança.
Quem toparia vir para o Brasil trabalhar como médico? Obviamente os profissionais que não estão bem em seus países de origem. Mas não basta estar mal: eles devem estar tão insatisfeitos que valha a pena o processo da mudança. Não é por acaso que a Ordem dos Médicos de Portugal recusou oficialmente a oferta para exportar os doutores lusos para cá: eles podem estar em crise, mas também não é para tanto, ao que parece.
A presidente Dilma disse que é preciso importar médicos porque há grande dificuldade de contratar profissionais para determinadas localidades. É verdade. Mas além de procurar quem aceite vir para essas regiões não seria interessante entender porque nossos conterrâneos têm essa resistência? Parece o sujeito que não consegue beijar ninguém e gasta tanta energia procurando quem aceite beijá-lo que se esquece de escovar os dentes.
Estudando o que motiva um médico, pesquisadores entrevistaram 676 clínicos gerais alemães. Utilizando o modelo teórico de fatores de motivação intrínsecos (aqueles referentes à prática profissional, ao desempenho do trabalho em si), e extrínsecos (relacionados ao ambiente, ao salário, ao contexto circundante), descobriram que a velha ideia de que o a presença dinheiro não aumenta a satisfação mas sua ausência traz insatisfação é verdadeira no caso dos médicos. Mais do que isso, verificaram que o principal fator de satisfação com o trabalho para esses profissionais é a “oportunidade de usar suas habilidades”. Em seguida vinham “ter uma carga horária sem excessos” e a “interação com os colegas de trabalho”. Pensando bem, não é surpreendente descobrir que o que motiva os médicos é ter a possibilidade de fazer um trabalho bem feito em companhia de bons profissionais.
É por isso que ninguém quer dar atendimento em alguns lugares: apesar de bons salários, são empregos que normalmente não dão condições para que o médico exerça suas habilidades ou estabeleça troca com outros colegas. Importar médicos que aceitem tal situação pode ajudar a minimizar o sofrimento da população local, mas tal solução tende a ser temporária. Como no caso do rapaz com mau hálito, ele até fica feliz quando acha uma moça para beijar, mas o encanto acaba assim que ela encontra alguém com melhor higiene bucal.
Os médicos importados aceitarão vir trabalhar nessas condições pouco satisfatórias só porque imaginam que será melhor do que sua atual situação em seu país de origem. Mas é muito provável que assim que puderem buscarão locais com maiores fatores de motivação. E quem poderá condená-los por isso?
*Daniel Martins de Barros é psiquiatra do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas (IPq-HC), onde atua como coordenador médico do Núcleo de Psiquiatria Forense e Psicologia Jurídica (Nufor). Doutor em ciências e bacharel em filosofia, ambos pela USP.
Só quem gosta de mudanças são os bebês molhados. A frase é boba, mas o princípio é verdadeiro – mudanças são estressantes, exigem adaptações, demandam energia, esforço. Mudar de país, então, indo para um lugar novo, com uma língua diferente, costumes e cultura “estranhos” é uma atitude que só toma quem tem convicção de que trocando algo muito ruim por algo bem melhor – o ganho que se espera compensa o desgaste com a mudança.
Quem toparia vir para o Brasil trabalhar como médico? Obviamente os profissionais que não estão bem em seus países de origem. Mas não basta estar mal: eles devem estar tão insatisfeitos que valha a pena o processo da mudança. Não é por acaso que a Ordem dos Médicos de Portugal recusou oficialmente a oferta para exportar os doutores lusos para cá: eles podem estar em crise, mas também não é para tanto, ao que parece.
A presidente Dilma disse que é preciso importar médicos porque há grande dificuldade de contratar profissionais para determinadas localidades. É verdade. Mas além de procurar quem aceite vir para essas regiões não seria interessante entender porque nossos conterrâneos têm essa resistência? Parece o sujeito que não consegue beijar ninguém e gasta tanta energia procurando quem aceite beijá-lo que se esquece de escovar os dentes.
Estudando o que motiva um médico, pesquisadores entrevistaram 676 clínicos gerais alemães. Utilizando o modelo teórico de fatores de motivação intrínsecos (aqueles referentes à prática profissional, ao desempenho do trabalho em si), e extrínsecos (relacionados ao ambiente, ao salário, ao contexto circundante), descobriram que a velha ideia de que o a presença dinheiro não aumenta a satisfação mas sua ausência traz insatisfação é verdadeira no caso dos médicos. Mais do que isso, verificaram que o principal fator de satisfação com o trabalho para esses profissionais é a “oportunidade de usar suas habilidades”. Em seguida vinham “ter uma carga horária sem excessos” e a “interação com os colegas de trabalho”. Pensando bem, não é surpreendente descobrir que o que motiva os médicos é ter a possibilidade de fazer um trabalho bem feito em companhia de bons profissionais.
É por isso que ninguém quer dar atendimento em alguns lugares: apesar de bons salários, são empregos que normalmente não dão condições para que o médico exerça suas habilidades ou estabeleça troca com outros colegas. Importar médicos que aceitem tal situação pode ajudar a minimizar o sofrimento da população local, mas tal solução tende a ser temporária. Como no caso do rapaz com mau hálito, ele até fica feliz quando acha uma moça para beijar, mas o encanto acaba assim que ela encontra alguém com melhor higiene bucal.
Os médicos importados aceitarão vir trabalhar nessas condições pouco satisfatórias só porque imaginam que será melhor do que sua atual situação em seu país de origem. Mas é muito provável que assim que puderem buscarão locais com maiores fatores de motivação. E quem poderá condená-los por isso?
*Daniel Martins de Barros é psiquiatra do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas (IPq-HC), onde atua como coordenador médico do Núcleo de Psiquiatria Forense e Psicologia Jurídica (Nufor). Doutor em ciências e bacharel em filosofia, ambos pela USP.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Os comentários serão avaliados antes de serem liberados