Segundo o documento, nesses aparelhos há milhares de imagens de pessoas assassinadas em todo o país a mando da facção –de inimigos ou de membros do próprio grupo acusados de faltas graves. “[São] milhares de registros, fotos e vídeos que demonstram, ainda que de forma fragmentária, o funcionamento desta célula criminosa para a prática de um verdadeiro genocídio no Brasil”, diz trecho do documento da polícia.
Apesar de gigantesca, a quantidade de mortes registradas nos celulares já era esperada pelos policiais, porque, em seis meses de monitoramento, eles já acompanhavam em investigações paralelas algo em torno de 400 assassinatos sob a ordem da facção –uma média de dois por dia. Agora poderão cruzar essas suspeitas com as imagens.
Os policiais sabiam também que a chefia da quadrilha ordenava que todas as mortes fossem fotografadas ou filmadas e enviadas para esses chefes responsáveis pela contabilidade dos assassinatos.
Um exemplo dessa obrigatoriedade, segundo a polícia, está em um caso ocorrido em Mato Grosso do Sul no qual os membros da facção assassinaram uma pessoa, após ordem da cúpula, mas “esqueceram de fotografar a vítima”. Ao informarem aos chefes sobre o esquecimento, os bandidos foram obrigados então a retornar ao local o crime, desenterrar o corpo e providenciar o registro fotográfico.
Além das imagens, o que vai ajudar a polícia a identificar as vítimas são os relatórios dos assassinatos produzidos pelos bandidos e enviados com as imagens.
Em muitos casos, a polícia acompanhou os crimes em telefonemas monitorados, mas não sabia detalhes das vítimas ou os locais dos crimes. “Na maioria, o corpo desapareceu ou as investigações ainda não identificaram a localidade dos fatos”, diz trecho do relatório obtido pela Folha.
Esse material estava em equipamentos apreendidos no mês passado durante a chamada operação Echelon (do grego escalão). Eles pertenciam a Adriano Hilário dos Santos, o Kaique, a Alexandre da Silva Araújo, o Da Sul –presos apontados pela polícia como dois dos cinco responsáveis pelos controles da mortes do PCC no país, chamados de “resumos disciplinares dos estados”. Cada criminoso é responsável por uma determinada região do Brasil –outros três foram identificados mas seguem foragidos.
No crime, ocupam funções semelhantes a desembargadores nos tribunais do crime. “Juízes” de segunda instância que dão a última palavra de quem vive ou quem morre nos julgamentos de criminosos.
Segundo a Polícia Civil, um dos celulares com maior volume de registros, pertencente a Kaique, ainda não foi destravado. Os policiais ainda tentam identificar a senha de liberação. Após acesso ao restante do material, a polícia acredita que a quantidade por chegar a milhares, porque as 400 mortes já sabidas se referem aos seis últimos meses de 2017, e a facção está em guerra aberta desde outubro de 2016.
Foi naquele mês que a facção matou 12 integrantes de grupos rivais no presídio de Monte Cristo, em Boa Vista (RR), chacina que provocaria o contra-ataque em outros presídios, como no Amazonas.
A facção entrou em guerra, segundo os mesmos registros e pessoas ligadas à cúpula da facção, porque outros grupos, em especial o CV (Comando Vermelho), proibiram o PCC de “batizar” novos adeptos dentro de fora nas prisões em diferentes estados brasileiros.
O batismo é uma espécie de juramento de fidelidade do bandido às regras do grupo e também a principal forma de a facção expandir seu tamanho e, com ele, o domínio das rotas de tráfico pelo país. Quem domina as prisões, a lógica do crime, domina também o crime fora dela.
No documento da polícia, os delegados sugerem a mudanças na legislação para que essas mortes do PCC sejam classificadas como genocídio. “Para incluir no tipo penal a destruição, no todo ou em parte, de grupo regional (ou grupo organizado, ainda que voltado à atividade criminosa)”.
FOLHAPRESS
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