Foto:
Jarbas Oliveira/Folhapress
Terceiro
colocado na eleição presidencial, Ciro Gomes (PDT) afirmou, em entrevista à
Folha, que foi “miseravelmente traído” pelo ex-presidente Lula e seus
“asseclas”.
Em
seu apartamento, onde concedeu nesta terça-feira (30) sua primeira entrevista
desde a eleição de Jair Bolsonaro (PSL), Ciro nega ter lavado as mãos ao ter
viajado para a Europa depois do primeiro turno. “A gente trai quando dá a
palavra e faz o oposto”.
“Não
declarei voto ao Haddad porque não quero mais fazer campanha com o PT”, disse.
No
primeiro turno, o senhor afirmou que choraria e deixaria a política se
Bolsonaro ganhasse. Deixará a vida pública? Eu disse isso comovidamente porque
um país que elege o Bolsonaro eu não compreendo tanto mais, o que me recomenda
não querer ser seu intérprete. Entretanto, do exato momento que disse isso até
hoje, ouvi um milhão de apelos de gente muito querida. E, depois de tudo o que
acabou acontecendo, a minha responsabilidade é muito grande. Não sei se serei
mais candidato, mas não posso me afastar agora da luta. O país ficou órfão.
E
não tomou uma decisão se será candidato em 2022? Não. Quem conhece o Brasil
sabe que você afirmar uma candidatura a 2022 é um mero exercício de
especulação, porque a adrenalina não pacificou. Só essa cúpula exacerbada do PT
é que já começou a campanha de agressão. Eu não. Tenho sobriedade e modéstia.
Acho que o país precisa se renovar.
O
senhor disse que deixaria a vida pública porque a razão de estar na política é
confiar no povo brasileiro. Deixou de confiar? Não, procurei entender o que
aconteceu. Esse distanciamento me permitiu isso. O que aconteceu foi uma reação
impensada, espécie de histeria coletiva a um conjunto muito grave de fatores
que dão razão a uma fração importante dessa maioria que votou no Bolsonaro. O
lulopetismo virou um caudilhismo corrupto e corruptor que criou uma força
antagônica que é a maior força política no Brasil hoje. E o Bolsonaro estava no
lugar certo, na hora certa. Só o petismo fanático vai chamar os 60% do povo brasileiro
de fascista. Eu não, de forma nenhuma.
Naquele
momento do país, uma viagem à Europa não passou uma impressão de descaso? [Ciro
viajou para Portugal, Itália e França após o 1º turno] Descaso não, rapaz, é de
impotência. De absoluta impotência. Se tem um brasileiro que lutou, fui eu.
Passei três anos lutando.
Com
a sua postura de neutralidade, não lavou as mãos em um momento importante para
o país? Não foi neutralidade. Quem declara o que eu declarei não está neutro.
Agora, o que estava dizendo, por uma razão prática, não iria com eles se fossem
vitoriosos, já estaria na oposição. Mas estava flagrante que já estava perdida
a eleição.
Por
não ter declarado voto, não teme ser visto como um traidor pelos eleitores de
esquerda? A gente trai quando dá a palavra e faz o oposto. Quem tiver prestado
a atenção no que falei, está muito clara a minha posição de que com o PT eu não
iria.
Não
se aliará mais ao PT? Não, se eu puder, não quero mais fazer campanha para o
PT. Evidente, você acha que eu votei em quem?
No
Haddad? Vou continuar calado, mas você acha que votei em quem com a minha
história? Eles podem inventar o que quiserem. Pega um bosta como esse Leonardo
Boff [que criticou Ciro por não declarar voto a Haddad]. Estou com texto dele
aqui. Aí porque não atendo o apelo dele, vai pelo lado inverso. Qual a opinião
do Boff sobre o mensalão e petrolão? Ou ele achava que o Lula também não sabia
da roubalheira da Petrobras? O Lula sabia porque eu disse a ele que, na
Transpetro, Sérgio Machado estava roubando para Renan Calheiros. O Lula se
corrompeu por isso, porque hoje está cercado de bajulador, com todo tipo de
condescendências.
Quem
são os bajuladores? É tudo. Gleisi Hoffmann, Leonardo Boff, Frei Betto. Só a
turma dele. Cadê os críticos? Quem disse a ele que não pode fazer o que ele
fez? Que não pode fraudar a opinião pública do país, mentindo que era
candidato?
Por
que o senhor não aceitou ser candidato a vice-presidente de Lula? Porque isso é
uma fraude. Para essa fraude, fui convidado a praticá-la. Esses fanáticos do PT
não sabem, mas o Lula, em momento de vacilação, me chamou para cumprir esse
papelão que o Haddad cumpriu. E não aceitei. Me considerei insultado.
Por
que não declarou voto em Haddad? Aquilo era trivial. O meu irmão foi a um ato
de apoio a Haddad, depois de tudo o que viu acontecendo de mesquinho,
pusilânime e inescrupuloso. É muito engraçado o petismo ululante. É igual o
bolsominion, rigorosamente a mesma coisa. O Cid está lá tentando elaborar uma
fórmula de subverter o quadro e é vaiado. Estou devendo o que ao PT?
Não
declarou voto no Haddad por causa do Lula? Não declarei voto ao Haddad porque
não quero mais fazer campanha com o PT. Agora, em uma eleição que tem só dois
candidatos, na noite do primeiro turno, disse à imprensa: “Ele não”. O que ele
quer mais agora?
Cid
Gomes cobrou uma autocrítica dos petistas. E quais foram os erros cometidos
pelos pedetistas? Devemos ter cometido algum erro e merecemos a crítica. Mas,
nesse contexto, simplesmente multiplicamos por um milhão as energias que nos
restaram para trabalhar. Fomos miseravelmente traídos. Aí, é traição, traição
mesmo. Palavra dada e não cumprida, clandestinidade, acertos espúrios, grana.
Isso
por Lula? Pelo ex-presidente Lula e seus asseclas. Você imagina conseguir do
PSB neutralidade trocando o governo de Pernambuco e de Minas? Em nome de que
foi feito isso? De qual espírito público, razão nacional, interesse popular?
Projeto de poder miúdo. De poder e de ladroeira. O PT elegeu Bolsonaro.
Todas
as pesquisas, não sou eu quem estou dizendo, dizem isso. O Haddad é uma boa
pessoa, mas ele, jamais, se fosse uma pessoa que tivesse mais fibra, deveria
ter aceito esse papelão. Toda segunda ir lá [visitar Lula], rapaz. Quem acha
que o povo vai eleger pessoa assim? Lula nunca permitiu nascer ninguém perto
dele. E eles empurram para a direita, que é o querem fazer comigo.
A
postura do senhor não inviabiliza uma reaglutinação das siglas de esquerda? Não
quero participar dessa aglutinação de esquerda. Isso sempre foi sinônimo
oportunista de hegemonia petista. Quero fundar um novo campo, onde para ser de
esquerda não tem de tapar o nariz com ladroeira, corrupção, falta de escrúpulo,
oportunismo. Isso não é esquerda. É o velho caudilhismo populista
sul-americano.
Com
informações da Folha de São Paulo
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