O
Supremo Tribunal Federal (STF) rejeitou nesta quinta-feira (8), por
unanimidade, uma ação apresentada pelo Partido Social Liberal (PSL) que
pretendia, entre outros pontos, facilitar a apreensão de menores para
averiguação.
A
ação foi apresentada em 2005 e pretendia flexibilizar dispositivos do Estatuto
da Criança e do Adolescente (ECA) para endurecer punições a jovens infratores,
permitindo que policiais apreendessem menores para averiguação, mesmo sem
indícios de que tenham cometido crimes.
Os
ministros entenderam que a Constituição determina que Estado e sociedade
assegurem os direitos fundamentais da criança, entre eles a liberdade. Na
avaliação do Supremo, flexibilizar o ECA agravaria os prejuízos sociais a
crianças e adolescentes em condição de rua.
Dez
ministros acompanharam o voto do relator, ministro Gilmar Mendes. Apenas a
ministra Cármen Lúcia não votou, pois estava ausente da sessão. Até mesmo a
Advocacia-Geral da União e a Procuradoria Geral da República opinaram pela
rejeição do pedido.
Com
a decisão do Supremo, continua válida a regra do estatuto que prevê que, se um
menor estiver perambulando pela rua, o procedimento exige a comunicação ao
Conselho Tutelar para que a família seja avisada. Pelo pedido do PSL, a polícia
poderia levá-lo para a delegacia para esclarecimentos.
Outro
ponto da ação tratava da internação de menores. Com o entendimento da Corte,
continua valendo a regra do ECA de que menores só serão internados em casos de
crimes cometidos com grave ameaça ou violência. O PSL queria que fosse
permitida internação no cometimento de qualquer crime, como furto, por exemplo.
O
ministro Gilmar Mendes votou para rejeitar totalmente a ação. O ministro citou
a Declaração Universal dos Direitos Humanos para defender o direito de crianças
e adolescentes à liberdade.
“Para
os autores [da ação], o autoritarismo dos tempos atuais não ocorre mediante
rupturas bruscas, mas sim através de progressivas restrições das liberdades
civis, incluindo as liberdades de ir e vir, de expressão e associação, razão
pela qual é importante que os agentes públicos e as instituições estejam
atentas a esses sinais. Nesse sentido, cabe ao STF, enquanto guardião dos
direitos e liberdades fundamentais, coibir condutas que, em última análise,
enfraquecem as regras do regime democrático e do Estado de Direito.”
Segundo
o ministro, o pedido do PSL buscava restabelecer um procedimento já extinto,
chamado “prisão para averiguações”, o que classificou de “política higienista”.
“Impressiona
a tentativa de demonização pretendida pelo autor da ação”, disse Gilmar Mendes.
O
ministro Alexandre de Moraes afirmou que a ação visava “criminalizar a pobreza”
e pretendia “criminalizar” as condutas de crianças e adolescentes que são
protegidos pela Constituição e pelo ECA.
“É
penalizar as crianças e os adolescentes pela ausência de proteção integral que
deveria ser realizada pelo Estado, pela sociedade e pelos pais. Uma política de
higienização terrível”, disse.
O
ministro Luiz Edson Fachin também acompanhou o relator.
Em
seguida, o ministro Luís Roberto Barroso citou que há em torno de 50 mil
crianças em abrigos, o que, segundo ele, mostra que “o país está falhando na
sua obrigação com as novas gerações”.
Para
Barroso, solucionar o problema existente “não é simples” mas é possível.
“Para
esse problema existe uma solução que não é simples, mas ela é definitiva, que é
um compromisso com a educação no primeiro momento da vida”, afirmou Barroso,
que também criticou bandeiras defendidas por integrantes do atual governo.
“Quem
achar que o problema da educação no Brasil é escola sem partido, ideologia de
gênero ou saber se 64 foi golpe ou não, está assustado com a assombração
errada. O problema da educação no Brasil é a não alfabetização da criança na
idade certa, é a evasão escolar no ensino médio, é o déficit de aprendizado em
que a criança conclui ensino fundamental, médio e não aprendeu nem o que tinha
que aprender”, completou o ministro.
Rosa
Weber também defendeu a importância da educação como “único caminho para o
enfrentamento desse tema de enorme gravidade”.
Luiz
Fux afirmou que a liberdade “talvez seja um dos mais importantes direitos
fundamentais” e que as crianças precisam de “acolhimento pela sociedade”.
“Essas crianças precisam de sentimento de pertencimento, elas precisam de
acolhimento pela sociedade”, argumentou.
Marco
Aurélio Mello também acompanhou Gilmar Mendes.
O
decano Celso de Mello afirmou que a ação apresentada pelo PSL, “partido que
hoje está no poder”, é “manifestamente inconstitucional” e o acolhimento
“representaria uma clara transgressão ao princípio da proporcionalidade”.
Ele
também afirmou que as normas do ECA são compatíveis com a Constituição, que
prevê o princípio da “proteção integral da criança e do adolescente”.
O
presidente da Corte, ministro Dias Toffoli, também acompanhou o voto do
relator.
O
julgamento teve início nesta quarta, com sustentações orais. Isadora Cartaxo,
da Advocacia-Geral da União (AGU), afirmou que a lei deve ser analisada sob o
prisma da proteção às crianças e adolescentes.
“A
argumentação contrasta com os próprios adultos na medida em que a Constituição
garante o direito de liberdade de adultos. […] Essas crianças em estado de
abandono estão a requerer cuidados. Não se trata de deixar as crianças na
sarjeta, em estado desumano. A tônica da lei é de acolhimento familiar”,
afirmou.
A
procuradora-geral da República, Raquel Dodge, também se manifestou pela
rejeição da ação. Segundo Dodge, “o Estatuto da Criança e do Adolescente vem
assegurar muito mais do que liberdade, assegura também respeito e dignidade”.
“Na
expectativa de poder prender para averiguações, sem o devido processo legal,
sem uma acusação formal, sem definição de limite de tempo, de lugar e modo de
tratamento, esta ação pretende suprimir essas garantias da Constituição”,
completou Dodge.
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