Nos
dias que antecederam a abertura do confronto, Renato Gaúcho tentou sustentar no
discurso o status do “melhor futebol do
Brasil”. Acontece que há momentos em que o campo fala de forma inequívoca. Em
Porto Alegre surgiram os primeiros
sinais. Até que veio o
Maracanã para colocar as coisas nos devidos lugares.
Inapelável.
Nem
é o caso de dizer que o 5 a 0, talvez escandaloso demais, seja o tamanho exato
da diferença. O fato é que não é preciso mais nada para provar quem joga melhor
não só no Brasil, mas no continente. Aquela sensação de impotência que tantas
vezes sentimos ao ver clubes brasileiros diminuídos em choques com gigantes europeus se reproduz no Brasil. É um
nível similar de disparidade que este Flamengo tem imposto a seus concorrentes
domésticos – o que, óbvio, não significa dizer que este time tenha o padrão dos
europeus. Pela frente virá uma dura final
com o River Plate, de prognóstico impossível. Só é possível cravar que,
no que diz respeito a talento, o Flamengo é melhor.
É
possível falar de intensidade, inteligência tática, qualidade técnica farta. Mas este
Flamengo chega à final com outro traço
notável: quando tem a bola, esbanja leveza, seu jogo flui a partir da
mobilidade de seus jogadores. Há muito de confiança também. E mais. Jesus
devolve ao futebol brasileiro algo que por muito tempo o marcou: as duplas de
ataque técnicas, rápidas, que deixam
rivais desnorteados por serem móveis. Gabigol e Bruno Henrique se exibiram,
quase sempre posicionados entre zagueiro e lateral, criando dúvidas na marcação
e abrindo latifúndios pelo campo. É difícil olhar para Gabriel e não enxergar
um atacante de nível internacional. Pela
movimentação ou pela qualidade
técnica.
Tudo
isso significa que o Grêmio foi mero sparring? Não, o placar tem muito a ver
com as virtudes do Flamengo e também com questões de ânimo. Jogos de futebol
são uma mistura complexa de fatores. O
plano inicial do Grêmio funcionou, dados os problemas físicos que o
fragilizavam. Renato, por 45 minutos, disfarçou a disparidade com um jogo bem
pensado. Teve até momentos de superioridade.
Ao
colocar Michel como terceiro meio-campista, abriu mão de seu modelo de
construção desde a defesa, reforçou o poder de
marcação e apostou em bolas mais longas. Só não abria mão das
perseguições defensivas para marcar. A
mobilidade dos jogadores do Flamengo, arrastando seus marcadores e tirando-os
do lugar, claramente abria espaços, ora pelos lados, ora à frente da área. Mas
este Grêmio camaleônico, muito concentrado e numa versão mais marcadora,
ganhava duelos e não permitia escapadas dos rubro-negros nos espaços vazios.
Teve até uma excelente chance no início, com Maicon. E ameaçava ganhar as
costas da linha defensiva do Flamengo.
Nestas
horas, é preciso uma chave para o cadeado. O jogo indicava que ela seria
Éverton Ribeiro, por sua capacidade de giro, de drible, de livrar-se de
marcadores após movê-los do lugar e desequilibrar a marcação rival. Ele criou
as duas primeiras chances do Flamengo, que aos poucos se tornava superior.
Jorge
Jesus pensara também em outro aspecto do jogo: os volantes do Grêmio,
iniciadores de todas as jogadas. A pressão avançada do Flamengo concentrava-se
no centro do campo. E claro ficou que
havia um elo fraco: justamente Michel, inseguro nos passes. Deu uma bola mal
tocada para Maicon, que, cercado por Gerson e Éverton Ribeiro, autor do bote,
permitiu a transição rápida até o gol de Bruno Henrique. Três minutos antes do
intervalo, o jogo mudava. A dificuldade imposta pelo Grêmio reforçava a
capacidade de adaptação deste time de
Jorge Jesus às situações.
Porque
para deixar o Flamengo desconfortável, impedir que desse ritmo ao jogo, o custo
que o Grêmio assumiu era perder poder ofensivo, apostar em poucas bolas. Ao
sofrer o segundo gol na primeira ação da segunda etapa, e diga-se de passagem um grande gol de
Gabigol, o plano gaúcho perdera sentido. Mas houve outro efeito: a concentração
nos encaixes de marcação, nas perseguições, já não era o mesmo. O Grêmio perdeu
também a fé. E o fez diante de um time impiedoso.
De
novo, Éverton Ribeiro exibiria sua
lucidez. Arrastou Cortez da lateral esquerda ao meio-campo, produzindo uma
sequência de compensações que deixou Filipe Luís livre no lado oposto, o
esquerdo. Éverton iniciou o lance, a bola atravessou o campo e Geromel fez
pênalti. Gabigol bateu e o jogo se transformou num monólogo.
Dois
gols em bolas paradas, um de Pablo Marí e outro de Rodrigo Caio, são provas de
que este Flamengo é insaciável na busca pelo ataque. Outro de tantos paradigmas
que Jorge Jesus quebra: intensidade, compactação, inteligência tática, a volta
dos dois atacantes, ofensividade… O jogo mostrava outra. Contra um Grêmio que
se especializou em privilegiar copas e poupar jogadores no Brasileiro, este
Flamengo que trata cada compromisso como decisão sobrava também fisicamente. O
rubro-negro pode até não ser campeão da América. Mas Jorge Jesus obriga o
futebol brasileiro a pensar. Porque por mais que se argumente que o
investimento do Flamengo é alto, que Gabigol é um atacante de nível raro no
país, que Rafinha e Filipe Luís há poucos meses jogavam em dois dos principais
times da Europa e dominam as laterais com excelência, que Gérson dita o ritmo
do jogo, o fato é que os parâmetros de cobrança estão prestes a se transformar.
Um
sintoma: encerrado o jogo, enquanto os jogadores permaneciam no campo longos
minutos celebrando com a torcida, como numa despedida do Maracanã em noites de
Libertadores, a sensação era de um público grato por algo mais do que os
resultados. A torcida vê no campo um futebol que a representa.
Carlos
Eduardo Mansur – O GLOBO https://www.blogdobg.com.br/
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