domingo, 8 de dezembro de 2019

RENATO CALDAS, O POETA DE ‘FULÔ DO MATO’


Por Ivan Pinheiro, poeta do Assu/RN
Vou falar de um conterrâneo
Que nos bancos de escola
Jamais esquentou o crâneo.
Foi um menino pachola,
Um rapaz namorador,
Poeta véi cantador
Fez da viola uma estola.

— “Eu era desempenado,
No braço do violão.
Fazia um tarrabufado
Da prima para o bordão.
E naquele remelexo
A nega caia o queixo,
E eu entrava de cão”.

Falo de Renato Caldas
Um matuto sertanejo,
Que mal trocou suas fraldas
Começou a ser andejo,
Fez a primeira poesia
Inspirado em fantasia
Pelo seu maior desejo:
 
— “Nenhuma mulher é troço...
Brancas ou pretas são belas!
Lamento porque não posso
Ser dono de todas elas”...
Com quatorze anos apenas,
Em Assu — a velha “Atenas
Defendeu todas donzelas.               

Mil novecentos e dois,
Oito de outubro nasceu,
Quatorze anos depois
O verso lhe floresceu
E a partir daquele dia
Numa linda melodia
Renato Caldas cresceu.

Do seu chão fez a canção:
— “Só norte-rio-grandense
Meu patrão, sou assuense
De alma, vida e coração
Pois, nessa terra bonita,
Eu tive a sorte bendita
De vê a luz, meu patrão”...

E haja inspirações:
— “Meu Assu das vaquejadas!
Das noites enluaradas...
— Que gratas recordações! —
Cantigas feitas dos sonhos
Dos seresteiros risonhos,
Conquistando corações...”.
 
Fulô do Mato surgiu
Carimbando sua lavra,
Logo a fama lhe exigiu
Buscar o dom da palavra,
No martelo e no rojão,
Foi um cantor do sertão
Que todo tema rimava.

— “Cunheço o Brasí, todinho:
Agreste, mata e sertão.
Arrastei pelos caminho
Muita alegria e afrição!
Eu tive a filicidade
De quage in toda cidade
Causá admiração...".

Apesar destas andanças
Em busca do ganha-pão,
Não perdeu as alianças.
Depois de doze serão
Casou com a amada Fausta
Que estava quase exausta,
Devido aquele tempão.

Veja o qui pôde sintí
Quando arribou do Assu:
— “... Mais o sertão não é Brasí.
O Brasí, é lá pru sú.
Isso aqui é um purgatóro...
Quem mata a fome, é o sodóro
E a sede é o mandacaru...”.
 
— “Seu môço, eu venho de longe,
Do árto do meu sertão,
Trago fome, trago sêde
E tudo qui é precizão.
Mas, nada disso me mata,
Nada disso me matrata
Qui nem a rescordação...”

Teve muitas profissões:
Pracista, linotipista,
Embolador de canções,
Oficial e motorista...
Mas, na viola e na poesia,
Instrumentos da boemia,
Foi que surgiu o artista:

— “A lua vinha cantando,
Suas canção pratiada!
Parô tão disfigurada...
Ficô oiando pru Má
E o Má sortando um gemido,
Limpô os óio no vistido
Prateado de luá”.

Fez ao irmão de coração:
— “Adão foi feito de barro...
Mas, você, Newton Navarro,
Foi Feito da inspiração,
Do Céu, dos ninhos, das flores,
De todos os esplendores
Do luar do meu sertão”.

A mulherada foi o tema
De parte da criação.
Foi liberdade e algema,
Prazer e judiação,
Foi seu encanto, seu feitiço,
Foi fulô, foi reboliço...
Derreteu seu coração.

Sobre elas disse inté:
— “Sinhá Dona, o tempo passa,
Mais, porém, essa disgraça,
Qui a gente tem, pruque qué...
Êsse amô, êsse arrespeito,
Qui o cristão guarda nos peito,
Essa paixão pru muié...”.

Geíza Caldas, a filha,
Pelo casal muito amada,
Foi a maior maravilha
Por todos foi bem mimada.
Ela até hoje se alembra
E vez por outra relembra
Contando pra garotada.

Em plena felicidade
Quando uma lágrima caiu
Seu coração explodiu:
— “Casou Geíza, é verdade
Vai construir o seu lar.
Danado é essa saudade
Qu’Ela vai deixar ficar”.

Certa vez indo à Natal
No bar pegou uma colher
E, por um lapso mental,
Não devolveu à mulher.
Ao retornar da viagem
Trouxe na sua bagagem,
Com um bilhete o talher:

— “Estou voltando Chiquinha
Trazendo a sua colher
De coisas que não é minha
Eu só aceito mulher”.
Recitou no bar lotado,
Ficou logo liberado
Para um acaso qualquer.

Não foi um homem de escola,
No entanto a inteligência
Que teve em sua cachola,
Era amiga da decência,
Amava a honestidade,
Detestava falsidade
E tocava na cadência.

E sobre o tema convém:
— “Seu dotô, pode me crê:
Se tenho aprendido a lê,
Eu era dotô tombém.
Pruquê hoje na cidade,
Nós só temo validade
Pêla peda qui o ané tem...”.

— “Um violão de verdade,
Uma grade de Pitu
Para matar a saudade
Das moreninhas do Assu”.
Assim levou sua vida
Procurando uma guarida
Pra ganhar algum tutu.

Toda farra que chegava
Tava a festa iniciada,
A viola apresentava
E, após uma lapada,
Causos, poesias, repente...
Mexia com toda gente
Com sua rima cantada.

Sempre comprou lá na feira
Seus principais mantimentos,
Mas uma feirante arteira
Desafiou seus talentos:
— Poeta, lhe tenho estima,
Me ajude e faça uma rima
Pra vender meus alimentos.

Renato olhou pra esteira
Contemplando sua batata

E, num tom de brincadeira,
Fitando aquela mulata,
Tão bonita e adolescente,
De maneira pertinente
Usou a verve gaiata:

— “Batata rainha prata
É dessa que o povo gosta,
Um quilo dessa batata
Dá bem dez quilos de bosta”.
A cabocla não gostou,
Ele dela se afastou,
Mas “atendeu” a proposta.

Trabalhou na construção
Da estrada Assu/Mossoró,
Fez pra si um barracão,
Vendeu comida e goró,
Mas devido o tal fiado
No balcão pôs um recado
Para evitar um toró:

— “Para não haver transtorno
Aqui no meu barracão,
Só vendo fiado a corno,
Filho da puta e ladrão”...
Leitor, pode acreditar,
O apelo fez aumentar
A lista de espertalhão.

— “Renato Caldas já foi
Um boêmio seresteiro!!!
Hoje é carro de boi
Na sombra do juazeiro”...
Morreu quase sem visão,
Com artrite, hipertensão,
Famoso..., mas sem dinheiro.

Termino esse meu tributo
Com muita satisfação,
Nobre leitor impoluto
Sou grato pela atenção.
Deixo aqui meu forte abraço
Me perdoe pelo embaraço
Mas fiz com o coração.

Por Fernando Caldas

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