segunda-feira, 4 de maio de 2015

Apple Watch pode ter forte impacto no setor de saúde

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Não é preciso perder tempo procurando referências ao relógio da apple na biografia de Steve Jobs. O produto anunciado em setembro e vendido a partir do fim de abril é o primeiro da empresa sem contribuições do líder morto em 2011. Não há digitais de Jobs no projeto, mas o auê em torno do lançamento do Apple Watch, um computador
feito para ser usado no pulso, parece o mesmo visto anteriormente com os iPods, iPhones e iPads.
Na sexta-feira 10 de abril, o primeiro dia de pré-venda, quase 1 milhão de pedidos foram feitos nos Estados Unidos, número superior à venda total de relógios inteligentes em 2014. Como já aconteceu antes, a Apple não inventou essa categoria de produto, mas a expectativa em torno de seu mais novo lançamento é tanta que abril de 2015 pode entrar para a história como o marco do verdadeiro nascimento dos wearables — os aparelhos digitais que são “vestidos” no corpo, como relógios, pulseiras e óculos inteligentes.
Por enquanto, o produto estará disponível apenas nos Estados Unidos, na Austrália e em sete países da Europa e da Ásia — não há previsão para a chegada ao Brasil. Em pouco tempo, porém, o relógio pode se tornar tão comum quanto os onipresentes iPhones.
Desde que Tim Cook, presidente da Apple, anunciou o lançamento do Apple Watch, as consultorias de tecnologia vêm refazendo suas previsões de vendas. De acordo com a Euromonitor, o número de wearables vendidos em todo o mundo no ano passado foi de 22 milhões. Neste ano, devem chegar a 71 milhões e, em 2018, pular para 260 milhões.
Se as previsões se confirmarem, veremos um número crescente de pessoas olhando para o pulso para ler mensagens ou levantando o braço próximo à boca para falar em vez de usar o telefone. A estratégia da Apple é vender o relógio como um produto de luxo, e é bem possível que ganhe status de item de moda.
Mas é na área da saúde que a popularização do Apple Watch promete dar início a uma grande mudança. Grudados ao corpo, os wearables são capazes de monitorar continuamente a saúde dos usuários. Isso já é um fato na área de fitness.
Quem usa pulseiras como a Up, da fabricante de eletrônicos Jawbone, consegue ver a quantidade de exercícios feitos por dia, o número de calorias queimadas e a qualidade do sono. No lançamento, o Apple Watch terá recursos semelhantes e, mais adiante, a expectativa é que dê um passo muito maior ao conectar os usuários ao sistema de saúde.
Um exemplo prático disso é o trabalho que está sendo feito pelo departamento de medicina da Universidade Stanford. Em março, médicos da universidade lançaram o aplicativo MyHeartCounts, no qual as pessoas são incentivadas a registrar informações como sua dieta e atividade física.
A ideia dessa iniciativa é montar um banco de dados para estudar as relações entre hábitos diários e o desenvolvimento de doenças cardiovasculares. Em contrapartida, quem usa o aplicativo recebe uma avaliação médica de especialistas de Stanford. Em poucas semanas, os pesquisadores conseguiram medir o poder da Apple, dona da plataforma Research Kit, onde o MyHeartCounts está disponível.
Acostumados a atrair não mais do que alguns poucos milhares de participantes para suas pesquisas, os médicos agora acham que chegarão facilmente a milhões. Por enquanto, o aplicativo está disponível apenas em iPhones e iPads nos Estados Unidos. “Imagine quando migrarmos para o relógio, que mede o batimento cardíaco”, diz Alan Yeung, diretor da divisão de medicina cardiovascular da Escola de Medicina da Universidade Stanford.
Além de poder participar de pesquisas médicas, os usuários de wearables poderão diminuir as visitas a seus próprios médicos. Pelo menos essa é a ideia do inglês Mike Barlow. Diagnosticado com o mal de Parkinson aos 41 anos, Barlow abandonou o emprego numa empresa de logística há dois anos para criar o aplicativo MyHealthPal, focado em portadores da doença.
O aplicativo faz teste de voz e de precisão, com toques na tela do celular, para medir o desenvolvimento da doença. Sua motivação foi a lentidão dos serviços de saúde. As visitas ao médico eram semestrais e Barlow queria uma resposta mais imediata sobre a eficácia dos medicamentos que estava tomando.
Por enquanto, o app, desenvolvido em parceria com o hospital Mount Sinai, de Nova York, está em fase de testes. “Quando esses aplicativos migrarem para os wearables, estaremos em outro patamar porque eles podem captar muito mais dados do que os celulares”, diz Stanley Shaw, professor de medicina na Universidade Harvard e um dos desenvolvedores de um aplicativo focado no diabetes.
Projetos como esses são possíveis hoje porque houve um enorme avanço no que se convencionou chamar de big data, a capacidade de armazenar uma quantidade imensa de dados e usar softwares para analisá-los. Agora, diante da possibilidade de ter tantas informações sobre a saúde, várias empresas estão correndo para ver quem sai na frente na organização desses grandes bancos de dados.
O maior investimento em medicina do Google Ventures, fundo da gigante da internet, é na Flatiron, empresa que tem uma plataforma na nuvem para armazenar informações de pacientes. Na primeira quinzena de abril, a empresa de tecnologia IBM anunciou a criação de uma nova unidade de negócios, a Watson Health, que vai oferecer um serviço semelhante — inclusive no Brasil.
Para montá-la, a IBM comprou duas empresas de análise e armazenamento de dados de saúde dos Estados Unidos. Por ora, os prontuários dos clientes serão abastecidos com informações de clínicas e hospitais, mas, no futuro, poderão receber dados de wearables. A ideia é que um software ajude os médicos na hora de definir os diagnósticos e os medicamentos e sirva de ferramenta para os pesquisadores.
“É possível inserir informações sobre um tipo de tumor, por exemplo, e saber na hora quais moléculas valem a pena ser testadas com base nos estudos mais atuais sobre a doença. Isso vai tornar a pesquisa na área muito mais rápida e barata”, afirma Fábio Scopeta, líder da Watson Health no Brasil.
Ainda em abril, a IBM também anunciou uma parceria com a Apple para armazenar dados e montar uma plataforma que una pesquisadores, médicos e planos de saúde. “Estamos vendo o início de uma grande revolução na medicina”, diz Alexandre Chiavegatto, professor de estatística da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo.
O custo da saúde
Ter acesso a mais informações sobre cada paciente deve reduzir os custos com saúde. Com o histórico médico atualizado e disponível em qualquer computador, os diagnósticos devem ficar mais precisos e o número de exames que acabam sendo repetidos porque são pedidos por médicos diferentes deve cair. Segundo cálculos da consultoria britânica PwC, se o Brasil inteiro adotar os recursos digitais já disponíveis até 2017, os gastos anuais com saúde terão uma redução equivalente a 15,2 bilhões de dólares.
Tudo o que está relacionado aos wearables e aos celulares faz parte do que foi batizado de mobile health (ou “saúde móvel”, numa tradução livre). E a mobile health é parte de algo maior, chamado de medicina de precisão, na qual ocorre o aproveitamento de todas as informações disponíveis sobre uma pessoa, desde hábitos alimentares até dados genéticos.
A empresa americana Foundation Medicine, que conta entre seus investidores com a farmacêutica suíça Roche, realiza exames de DNA de pacientes com câncer à procura de mutações que indiquem os remédios mais apropriados para cada caso. Até o momento, 10 000 pessoas fizeram testes genéticos.
“O interesse das farmacêuticas nesse tipo de empresa é fácil de explicar. Elas querem cruzar as informações dos bancos de dados de DNAs com as moléculas de medicamentos para desenvolver novos remédios feitos para grupos menores de pessoas”, afirma Carlos Gil Ferreira, coordenador de pesquisa clínica do Instituto Nacional do Câncer, um órgão ligado ao Ministério da Saúde.
Também nessa área de precisão, o Google criou, em 2013, a Calico, empresa que tem como meta aumentar o tempo de vida dos seres humanos. A americana General Electric, outra interessada nessa nova corrida, montou um fundo de 250 milhões de dólares para investir em startups que desenvolvem soluções médicas.
Num momento que a medicina parece estar prestes a dar um novo grande salto, alguns especialistas estão chamando a atenção para os perigos de idealizar o poder da tecnologia. Um artigo publicado em abril pelo médico Des Spence no ­British Medical Journal afirma que o uso indiscriminado dos aplicativos pode criar uma espécie de histeria coletiva.
Com o excesso de informações, as pessoas podem ser levadas a fazer diagnósticos errados e, em vez de esvaziar os consultórios e os hospitais, aumentar a demanda por eles. Spence cita como exemplo alguns casos de arritmia cardíaca e de pressão alta que não têm nenhum efeito nocivo para a saúde, mas que, se forem identificados por pessoas comuns, podem aumentar a automedicação.
De acordo com Spence, as pessoas vão perder tempo monitorando a vida, em vez de viver, e quem sairá ganhando serão as empresas farmacêuticas. Argumentos como esse têm sido usados para criticar a decisão do Foods and Drugs Administration (FDA), órgão que regula o setor de saúde nos Estados Unidos. Em fevereiro deste ano, o FDA divulgou um comunicado no qual afirma que não pretende regular aplicativos considerados de baixo risco.
Santo Steve?
Uma pesquisa realizada no ano passado pela consultoria McKinsey na Alemanha, no Reino Unido e em Singapura com mais de 1 000 pessoas indica que 75% dos entrevistados querem usar serviços digitais da área da saúde, mas fazem duas ressalvas. A primeira soa básica: os serviços devem atender às necessidades dos pacientes.
A segunda bate fundo num problema desse segmento: a falta de qualidade. “Para o desenvolvimento da medicina digital, não há dúvida de que os wearables ainda precisam avançar bastante em termos de precisão”, diz Krishna Yeshwant, sócio do Google Ventures.
A entrada da Apple é tida como um sinal de que a exatidão dos aparelhos tende a aumentar. A empresa criada por Jobs é mundialmente famosa pela qualidade, e suas vendas vão certamente elevar a competição. “Nós já poderíamos estar nos wearables, mas estávamos esperando pelo Watch, que deve ser mais preciso”, afirma Alan Yeung, diretor da divisão de medicina cardiovascular da Escola de Medicina da Universidade Stanford, nos Estados Unidos, e um dos responsáveis pelo desenvolvimento do aplicativo MyHeart­Counts.
Os primeiros usuários do Apple Watch reclamaram que é difícil usá-lo, e alguns chegaram a dizer que o produto foi lançado ainda parecendo uma versão de testes, algo que Jobs jamais teria feito. Diferentemente do que defendia Jobs em lançamentos de produtos, o Apple Watch tem uma diferenciação de estilo.
O Sport é vendido para práticas esportivas, o Watch para o dia a dia e o Edition é um modelo premium banhado a ouro — os preços variam de 349 a 17 000 dólares. Para os médicos, os pacientes e os cientistas envolvidos com a medicina de precisão, nada disso importa.
Eles só querem que o relógio da Apple seja mesmo um marco na popularização dos wearables. Para os fãs da Apple, a confirmação dessa profecia também cairá bem. Salvar vidas é o que falta para Jobs ser canonizado. (Exame

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